segunda-feira, 25 de maio de 2009

Antropologia da corrupção

Quando pensamos na corrupção instalada no sistema político brasileiro logo dá um desânimo geral. O que posso eu fazer para que isso mude? Por que quem deveria cuidar do dinheiro público mete a mão descaradamente? Há quem invoque a “Constituição” portuguesa do século XVI que imputava aos criminosos o desterro para o Brazil. Ou seja, formado com este tipo de gente não poderia dar em outra coisa. Os defensores desta tese insistem comparando o tipo de colonização que tiveram os Estados Unidos da América. Para lá foram ingleses descriminados por sua fé a fim de criar um novo país onde reinasse a liberdade. É uma visão linda e poética, mas também muito simplista.

Precisamos obviamente levar em conta os milhares de indígenas que habitavam ambos os territórios e que aqui se misturaram aos portugueses inicialmente e ulteriormente aos demais imigrantes que por aqui pisaram. Lá os nativos americanos foram dizimados, aqui apesar da matança ou uma diplomacia porosa que envolveu os brancos europeus, os índios e os negros. Diga-se de passagem, estes últimos emprestaram segundo Pierre Verger, antropólogo francês naturalizado brasileiro, mais especificamente baiano, o sangue real da mãe África. Sua tese rastreou os ascendentes dos escravos trazidos para a Bahia e demonstrou que milhares provinham de famílias reais que foram subjugadas por europeus ou mesmo tribos rivais na África.


Como diz o carioca: ‘e o Kiko?’, quer dizer e eu com isso. Pois é. A nossa arvore genealógica não explica a atual situação brasileira, nem mesmo a americana. É certo que o desejo de fundar um novo país e o desejo de pilhar o novo território influenciaram na ordem natural das coisas, mas a independência de ambos os países está distante a centena de anos.

Voltando ao caso específico brasileiro o que vemos é uma cultura perniciosa. O jeitinho, a valorização do ‘esperto’ e o desejo de se tornar um. Frases como: “se fosse eu saía de lá rico” ou “você é burro, todo mundo rouba…”. O poder público brasileiro executivo, legislativo e judiciário está podre do cabo ao rabo. Quem deveria fiscalizar negocia aprovação de contas. Quem deveria julgar vende sentenças. Quem deveria executar obras distribui as mesmas recebendo comissões gordas para, supostamente, garantir a próxima eleição.
Aí temos que ouvir imbecis como este deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) que expressou sob o fogo cruzado e com nervos a flor da pele o que parece estar na cabeça de todos os parlamentares que está “se lixando para a opinião pública”.

A cultura deve mudar. Se eu quero que as pessoas sejam honestas, primeiro tenho que sê-lo. Se o guarda parar e tiver errado, está errado, não vá tentar dá um jeitinho.Se estou em um cargo público deve atender ao público e não aos meus interesses privados. A administração pública deve ser um ato de sacrifício em nome da coletividade. Você abandona, em partes, o convívio familiar e seus negócios privados em nome da sociedade. Você está se doando para a comunidade local, estadual ou nacional. Enquanto as pessoas encararem o investimento da função pública como um privilégio, estaremos fadados a ver enriquecimento ilícito e má utilização da verba pública.

Por que ao constatar bens incompatíveis com o poder de compra a Receita Federal não questiona as ilustres autoridades, inclusive juízes, desembargadores, deputados federais, estaduais e nobres vereadores? Por que um fiscal da Receita com lancha importada, carro idem, casa no Manso e outras cositas más continua sendo responsável pela fiscalização de tributos? Por que denúncias contra “autoridades” nunca são levadas até o fim?

Ser conivente e até ansiar o lugar destes vermes que apodrecem o sistema público brasileiro é mais comum do que se indignar e procurar fazer algo concreto pelo bem da comunidade. Deixo aqui um desabafo e uma dica para nossos queridos editores de política: quantos funcionários públicos foram demitidos com justa causa nos últimos dez anos na prefeitura de Cuiabá e/ou no governo do estado? Será que são todos eles honestos e eficientes, ou somente intocáveis que seguram os rabos dos próprios chefes além de andarem com os seus próprios sujos.

* CLAUDIO DE OLIVEIRA é jornalista e publicitário, mestrando em Estudos Culturais no ECCO-UFMT e repórter do DC Ilustrado

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Um Show Inesquecível




Ela entrou com dez minutos nobres de tolerância. A rainha dominou o palco no primeiro suspiro. Sua voz sem esforço preenchia cada poro do corpo, eriçava o pelo até daqueles que estavam ali apenas para acompanhar um ou uma fã. A majestade de Maria Bethania impõe-se não só pela voz, mas também por sua postura rica em sentido e sentimento que transbordaram pelo Centro de Eventos do Pantanal, na noite de quinta-feira.

A casa lotada e o silêncio reverente da plateia que ovacionava a cada música impunham mais respeito. Ela abriu com “Nana” e em seguida “Beira-mar”, um sucesso poético cujo refrão guarda uma verdade suave como o vento: “Em todo o mar tem rio, e em todo o seu som tem ar e oxigênio para alimentar a todos nós”.

Em seguida entoou o hino do sertão: “Asa branca”. E o mar adentrou o Pantanal e sua religiosidade atravessou o público com o “Capitão do mato”. Em seu caminho entremeava músicas mais agitadas e mais introspectivas com uma energia de deixar as novas cantoras da MPB brasileira babando na sua verve. “Explode o coração”. Vibra a plateia de pé totalmente dominada e submissa a sua “Estrela D’alva”. Um pé no freio, uma poesia e os “Olhos nos olhos” levantam a multidão. Os aplausos, gritos e manifestações de carinho envolvem a artista, que agradece repetidas vezes: “Obrigada, senhores!”

Então ela se retira do palco após a “Volta por cima” e abre espaço para um show instrumental. Senhores de cabelo branco, média idade e mais novos dão um espetáculo a altura da sua voz enquanto a abelha-rainha respira para retornar ao controle da colmeia. Bateria, percussão rica, violoncelo, contrabaixo acústico, teclado, sanfona e violão, uma corte digna de sua majestade.

Retorna em “Reconvexo” e convida para a Bahia depois de oferecer o “Doce”. Um samba gostoso com cheiro do acarajé e a levada do candomblé. Em seguida introspectivamente, a doçura de um “Sábado em Copacabana”. Os pés no chão, o patuá no peito guardado por dois cavalos marinhos brilhantes davam o tom do figurino simples completado por uma saia estampada e um pulso cheio de pulseiras douradas.

Em ritmo de oração Terezinha dá lugar ao lamento: “Negue, negue que me pertenceu, diga que já não me quer...” E eis que chega uma carta e a poesia eriça o público que responde de pé. “Todas as cartas de amor são ridículas. As cartas de amor têm que ser ridículas. Quem me dera saber no tempo em que as escrevia que eram ridículas. Eu também escrevi cartas ridículas. Mas enfim as pessoas que nunca escreveram uma carta de amor é que são ridículas”.

Uma pausa para agradecer o convite novamente e lembrar da extraordinária Vanessa da Mata. “Em nome dela e de todos os músicos, poetas e artistas desta linda cidade e deste lindo estado, obrigada pelo convite”, suspira Bethânia.

Depois de sonhar um “Sonho impossível”, a gente não quer só “Comida”, a gente quer diversão e arte. A gente quer inteiro e não pela metade. Uma versão pausada e pesada. Uma ordem da rainha, mais arte, desejo, necessidade e vontade.

Então um lamento, uma suave melodia elocubrando as estrelas e a beleza do “Céu de Santo Amaro” recheado pelo Soneto de Fidelidade do inesquecível poetinha Vinicius de Morais. Em seguida um samba para elevar a moral e lavar as lágrimas salgadas da poesia. Como não poderia deixar de ser o bis: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma economia de mercado



Uma imensa feira de ilustres desconhecidos. Dez vezes o tamanho do Anhembi em São Paulo, repleto de todos os tipos de produtos genéricos que você possa imaginar de prego, cabo, tomada, a caminhão, trator e máquinas pesadas. Passando, é claro, por materiais de construção em geral e informática. Teoricamente todos que lá estão são fabricantes. Produzem em grande quantidade e vendem a preços que comparativamente com os adotados no Brasil representam apenas 20%.
A feira de Guangzhou, ou Canton Fair, na China, como é mais conhecida, está na sua 105ª edição. Ela se divide em três fases com 55 mil expositores tomando conta dos 1,1 milhão de metros quadrados. A estimativa é que este ano a feira iniciada em 15 de abril e que se estende até 7 de maio, movimente o equivalente US$ 10 bilhões, pelo menos. A primeira fase da feira encerrou em 19 de abril, momento acompanhado de perto por uma comitiva de empresários estaduais, organizados pelo Sebrae/MT. Nesta fase estavam expostos produtos como: eletrônicos e eletrodomésticos, hardwares e ferramentas, maquinário, veículos e peças, materiais de construção, equipamentos de iluminação e produtos químicos.
A segunda fase começou no último dia 23 de abril e vai até 28 com o foco em produtos de decoração, presentes e consumer goods. A terceira fase entra em exposição de 3 a 7 de maio com materiais de confecção e tecidos, sapatos, equipamentos para escritório, malas, produtos de recreação, produtos medicinais, remédios e equipamentos para a saúde, alimentação e produtos nativos.
Chegar até a feira é tarefa fácil pra quem está na cidade. Metrô, ônibus gratuitos ou mesmo táxis fazem o percurso dos hotéis ao complexo da feira constantemente. São duas estações de metrô que servem ao evento: Xingang Dong e a Pazhou. A melhor opção obviamente é aquela cuja linha passa mais próximo do hotel em que se está hospedado de preferência que não tenha de fazer baldeação. Todavia, mesmo que tenha de fazê-la não há o que temer, já que todos os nomes estão escritos em inglês e com um mapa das linhas disponíveis em todas as estações fica fácil se localizar.
A missão do Sebrae/MT contou em Guangzhou com sete intérpretes, um para cada grupo de três empresários em média o que facilita e muito as negociações com os chineses. A feira não é para curiosos, apesar destes se esbaldarem nas múltiplas possibilidades de compra e de negócios. A feira é para profissionais. Para quem sabe o que quer e não para o transeunte sem bússola. O fato da empresa (fábrica) chinesa estar com um estande na feira não significa que ela é idônea. O ideal segundo informações levantadas no local com pessoas mais experientes em negócios com empresários chineses, é visitar as fábricas. Conhecer os locais de produção e avaliar a capacidade e a idoneidade das empresas antes de encomendar e pagar adiantado para o início da produção. O risco é ver o seu dinheiro transformado em fumaça junto com a empresa fantasma. É bem provável que o governo chinês não tenha interesse nenhum em facilitar a vida destes ectoplasmas, contudo devido ao imenso movimento, quem acaba pagando para ver é o empresário que dificilmente terá o seu dinheiro de volta no caso.
Ainda que consigamos comprar amostras, especialmente nos últimos dias de cada fase da feira, a venda é facultada a grandes encomendas. As quantidades variam conforme a mercadoria, um MP5 4Gb expansível (equipamento eletrônico de áudio e vídeo), por exemplo, tem encomenda mínima de 500 unidades com o convidativo preço de U$ 20 cada. No Brasil um destes não sai por menos de R$ 300. Outro exemplo levantado são os cabos de HDMI. No Brasil são vendidos a R$ 120, na feira podiam ser encomendados a U$ 1,20. É claro que para comprar um trator ou uma grua não há necessidade de grandes encomendas, depende da mercadoria que se está negociando.
A primeira visita tende a ser de reconhecimento da área. Um raio-X das oportunidades de negócio. Caso o interesse seja confirmado o empresário pode e deve buscar o auxílio de importadores para conhecer as taxas e impostos além dos custos de logística. Como no Brasil há aqueles que têm qualidade e os que não têm, vai do ‘faro’ e dos cuidados que o empreendedor se cercar para obter sucesso neste negócio da China.

A Arte de beber




A China tem seus encantos e mistérios e provavelmente eu volte a eles entre um e outro artigo. Estava caminhando na praça da Paz Celestial quando fui abordado por dois jovens chineses: Colin e Wilson, 21 e 23 respectivamente. Ambos estavam estudando o inglês e queriam praticá-lo comigo. Eu estava sozinho e mesmo relutando um pouco acabei por concordar em deixá-los me mostrar a cidade de Pequim.

É claro que a partir daí meus planos foram alterados. A minha ideia era ir direto para a Cidade Proibida, mas eles sugeriram que deveríamos seguir pela Dragon Line, a espinhal dorsal de Pequim por onde veríamos casas tradicionais e um bairro voltado para a arte.

No caminho encontramos uma galeria com obras lindíssimas repletas de sentido semiótico espelhado nas cores e formas dos tecidos de seda e traços de nanquim. As quatro estações são motivos frequentes nas telas chinesas.

Seguindo a nossa linha paramos novamente em uma casa de chá. Uma experiência extraordinária. Sem dúvida eu nunca entraria numa casa dessas sem a companhia deles. A casa modesta repleta de estampas de tecido coladas à parede tinha um tom fresco e calmante pela cor verde dominante. A hostess com um uniforme típico vermelho e unhas azuis nos recebeu calmamente. Fomos levados para uma sala pequena com uma mesa central atrás da qual ficou nossa chefe de cerimônia. Conforme ela ia apresentando os chás, onze ao todo, e suas características meus acompanhantes traduziam e me explicavam.

Uma pequena xícara para cada um. Fui ensinado a segurar a xícara com o polegar e o indicador mantendo os outros três dedos abaixo do recipiente. O chá deve ser cheirado e em seguida bebido em três goles. O primeiro era para o intestino. O segundo para o sangue. E assim sucessivamente renovamos os neurônios, articulações, ossos e experimentamos a força masculina e feminina dos diferentes chás.

O chá verde tinha um sabor especial. Quando comentei, Wilson me explicou que eu provavelmente nunca tomaria um chá tão saboroso em qualquer outra época, pois a Primavera é o melhor período para a colheita e este sabor era realmente singular.

O chá de jasmim também foi muito especial. Ela coloca o mesmo em uma mini-tulipa de porcelana e tampa com a nossa xícara. Então ela vira, deixando a nossa xícara embaixo com a tulipa de cabeça para baixo. Retiramos a tulipinha rodando em círculo na beirada da xícara para escorrer. Com ela ainda quente aproximamos a sua boca dos nossos olhos. A sensação é relaxante. Em seguida rolamos pela nossa face e esquentamos a nossa mão. Só então, bebemos. O tempo e gestos calculados e a cerimônia em si deixam na memória os traços da paciência e da história chinesa em um ritual simples e cotidiano.