Quando pensamos na corrupção instalada no sistema político brasileiro logo dá um desânimo geral. O que posso eu fazer para que isso mude? Por que quem deveria cuidar do dinheiro público mete a mão descaradamente? Há quem invoque a “Constituição” portuguesa do século XVI que imputava aos criminosos o desterro para o Brazil. Ou seja, formado com este tipo de gente não poderia dar em outra coisa. Os defensores desta tese insistem comparando o tipo de colonização que tiveram os Estados Unidos da América. Para lá foram ingleses descriminados por sua fé a fim de criar um novo país onde reinasse a liberdade. É uma visão linda e poética, mas também muito simplista.
Precisamos obviamente levar em conta os milhares de indígenas que habitavam ambos os territórios e que aqui se misturaram aos portugueses inicialmente e ulteriormente aos demais imigrantes que por aqui pisaram. Lá os nativos americanos foram dizimados, aqui apesar da matança ou uma diplomacia porosa que envolveu os brancos europeus, os índios e os negros. Diga-se de passagem, estes últimos emprestaram segundo Pierre Verger, antropólogo francês naturalizado brasileiro, mais especificamente baiano, o sangue real da mãe África. Sua tese rastreou os ascendentes dos escravos trazidos para a Bahia e demonstrou que milhares provinham de famílias reais que foram subjugadas por europeus ou mesmo tribos rivais na África.
Como diz o carioca: ‘e o Kiko?’, quer dizer e eu com isso. Pois é. A nossa arvore genealógica não explica a atual situação brasileira, nem mesmo a americana. É certo que o desejo de fundar um novo país e o desejo de pilhar o novo território influenciaram na ordem natural das coisas, mas a independência de ambos os países está distante a centena de anos.
Voltando ao caso específico brasileiro o que vemos é uma cultura perniciosa. O jeitinho, a valorização do ‘esperto’ e o desejo de se tornar um. Frases como: “se fosse eu saía de lá rico” ou “você é burro, todo mundo rouba…”. O poder público brasileiro executivo, legislativo e judiciário está podre do cabo ao rabo. Quem deveria fiscalizar negocia aprovação de contas. Quem deveria julgar vende sentenças. Quem deveria executar obras distribui as mesmas recebendo comissões gordas para, supostamente, garantir a próxima eleição.
Aí temos que ouvir imbecis como este deputado Sérgio Moraes (PTB-RS) que expressou sob o fogo cruzado e com nervos a flor da pele o que parece estar na cabeça de todos os parlamentares que está “se lixando para a opinião pública”.
A cultura deve mudar. Se eu quero que as pessoas sejam honestas, primeiro tenho que sê-lo. Se o guarda parar e tiver errado, está errado, não vá tentar dá um jeitinho.Se estou em um cargo público deve atender ao público e não aos meus interesses privados. A administração pública deve ser um ato de sacrifício em nome da coletividade. Você abandona, em partes, o convívio familiar e seus negócios privados em nome da sociedade. Você está se doando para a comunidade local, estadual ou nacional. Enquanto as pessoas encararem o investimento da função pública como um privilégio, estaremos fadados a ver enriquecimento ilícito e má utilização da verba pública.
Por que ao constatar bens incompatíveis com o poder de compra a Receita Federal não questiona as ilustres autoridades, inclusive juízes, desembargadores, deputados federais, estaduais e nobres vereadores? Por que um fiscal da Receita com lancha importada, carro idem, casa no Manso e outras cositas más continua sendo responsável pela fiscalização de tributos? Por que denúncias contra “autoridades” nunca são levadas até o fim?
Ser conivente e até ansiar o lugar destes vermes que apodrecem o sistema público brasileiro é mais comum do que se indignar e procurar fazer algo concreto pelo bem da comunidade. Deixo aqui um desabafo e uma dica para nossos queridos editores de política: quantos funcionários públicos foram demitidos com justa causa nos últimos dez anos na prefeitura de Cuiabá e/ou no governo do estado? Será que são todos eles honestos e eficientes, ou somente intocáveis que seguram os rabos dos próprios chefes além de andarem com os seus próprios sujos.
* CLAUDIO DE OLIVEIRA é jornalista e publicitário, mestrando em Estudos Culturais no ECCO-UFMT e repórter do DC Ilustrado
segunda-feira, 25 de maio de 2009
Antropologia da corrupção
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