Como é maravilhoso ouvir ou ler opiniões sensatas especialmente quando elas vêm corroborar com a nossa visão de mundo. Sempre acreditei que Deus criou o universo e nem por isso deixei de acreditar na teoria da evolução. Parece um paradoxo ou algo difícil de se encaixar a princípio, porém neste domingo (14/06/09) deparei-me com uma entrevista incrível de um padre, jesuíta, chamado George Coyne, 76.
Coyne ganhou o prêmio Van Biesbroeck, da AAS (Associação Americana de Astronomia), concedido àqueles que prestam "generosos serviços de longo prazo" à comunidade acadêmica de astrônomos. A entrevista foi concedida ao Rafael Garcia, da Folha de SP e foi publicada no caderno Mais (um dos melhores cadernos do mundo, em minha opinião).
O padre George é americano, formou-se em matemática e tem doutorado em astronomia. Ele dirigiu por 28 anos o Observatório do Vaticano e um dos maiores motivos da sua premiação pela AAS foi a criação do curso de verão de um mês em astrofísica. O curso inseriu pelo 275 jovens (62% de países em desenvolvimento) no mundo da astronomia. Foram onze edições. Além disso, Coyne escreveu livros aproximando a ciência da religião e vencendo deste modo certos tabus.
A sua entrevista é muito esclarecedora e vale a pena ser lida na íntegra. Pretendo fazer um recorte com aspas para momentos marcantes da mesma.
Segundo Coyne a partir da encíclica "Providentissimus Deus", de Leão 13, a igreja começou a se posicionar de maneira mais clara em relação à ciência: “você deve interpretar as escrituras de acordo com a técnica literária. Você não pode interpretá-las literalmente”. O doutor continua e dá uma aula para quem ainda não entendeu: “não há nenhuma ciência nas escrituras. As escrituras começaram a ser compostas por volta de 5.000 a.C., com o patriarca Abraão, até cerca de 200 d.C., mais ou menos. A ciência moderna começou a existir entre os séculos 16 e 17. Como poderia haver alguma ciência nas escrituras? Há uma separação de pelo menos 1.500 anos entre a redação final das escrituras e a ciência moderna. Então, não há nenhuma ciência nas escrituras. Zero.”
Rafael o questiona sobre a polêmica com Galileu já que estamos comemorando os 400 anos das observações de Galileu com o intuito de entender o por quê de a igreja pedir perdão a Galileu Galilei tanto tempo depois (isto foi feito por João Paulo 2º em 2000). Coyne conta que mesmo antes de ser Papa, enquanto era cardeal-arcebispo de Cracóvia, ele costumava promover encontros de cientistas, filósofos e teólogos. Quando assumiu o papado ele percebeu, ainda segundo Coyne, que o caso Galileu ainda era um mito. Então, ciente disso, montou uma comissão para estudar se havia um conflito intrínseco entre a crença religiosa e a ciência, tendo como cerne Galileu. O gesto foi simbólico, mas não resolveu a pendência, não para todos ainda há o fantasma de Darwin assombrando fiéis caolhos.
George faz mais uma revelação: “João Paulo 2º, em uma mensagem para a Pontifícia Academia de Ciências, disse que a evolução "não é mais uma mera hipótese". Disse que a paleontologia, a geologia, a biologia, a química e a cosmologia, todas convergem no sentido de que a evolução é a melhor teoria científica que temos hoje”. Como me faltam palavras para expressar com tamanha clareza faço das suas as minhas: “E uma coisa não está em contradição com a outra. Na verdade, se eu acreditar em Deus, o Universo em evolução me diz um bocado sobre Deus como criador inteligente. Ele criou um Universo que não é uma máquina de lavar, nem um carro, nem um relógio. Ele criou um Universo que tem um dinamismo e uma criatividade próprios. É um "se" importante.”.
Coyne explica que para ele o Big Bang (grande explosão que deu início ao universo como o conhecemos hoje) é a melhor explicação a partir das observações realizadas em telescópios. Mas é bem provável que ela seja sintonizada com as novas descobertas científicas. É assim que a ciência evolui, aos poucos se auto-criticando e se reavaliando. Contudo, o embate entre religião e ciência se dá especialmente quando um usa a própria metodologia para criticar o outro. Cito o exemplo que o sábio padre deu: “A ciência, como tal, não pode provar a existência de Deus nem prová-la falsa usando sua própria metodologia. Repito: ela se limita a procurar explicações naturais para eventos naturais. E se existe um Deus - a natureza própria de um Deus -, isso está além da natureza.”
Enquanto isso, sigo acreditando em ambos, na ciência e seu território imenso de atuação e em Deus, Onisciente, Onipotente e Onipresente. Qualidades intrínsecas e que a meu ver definem Quem é Deus.
Publicado originalmente por mim no blog:
www.mtaqui.com.br