sexta-feira, 11 de setembro de 2009

O Compadre de Ogun



 


Argentino de nascimento e brasileiro de adoção se naturalizou em 1957. Hector Júlio Páride Bernabó ou, simplesmente, Carybé (1911-1997). Desenhista, pintor, escultor, apaixonado pela cultura brasileira, em especial, pela afro-brasileira. Carybé foi agraciado com o título Obá de Xangô (um dos pontos mais altos do candomblé) e recebeu entre outros títulos o de Doutor Honoris Causa da UFBA.

Produzia muito, mas expunha pouco. Participou da III Bienal de SP e foi homenageado na VII com uma sala especial. Deixou mais de quatro mil trabalhos entre pinturas, desenhos, esculturas e esboços. Tem obras expostas nos EUA e na Rússia.

Compadre de Ogun era um capítulo do livro ‘Os Pastores da Noite’(1964) do escritor baiano Jorge Amado. Era... porque virou um livro que o próprio autor editou e também um especial para a TV Globo (1994) adaptado por Geraldo Carneiro. Inclusive é desta adaptação que surgem estas aquarelas singulares que ilustram o cotidiano sincrético da Bahia.

A história é rica antropologicamente falando e cômica. Um estivador, Massú, tem um caso sério com uma dama da noite. Do relacionamento nasce uma criança. A profissional entrega a criança para ele e some. Ele aflito por batizá-la pede auxílio à Mãe de Santo. Muitos são os pretendentes porque Massú era muito querido por todos. Ela oferece um despacho a Ogum e o mesmo diz que ele será o padrinho. O boato se espalha pela cidade e todos querem saber quem é o compadre de Ogum. Depois de descobrirem quem vai carregar Ogum e de saber qual é a igreja, Nossa Senhora dos Pretos, segue o cortejo.

Então a Mãe de Santo recebe ordem de Ogum para despachar para Exu, pois seu irmão pode querer atrapalhar o batizado. Ele pede que sacrifique uma galinha de angola, porém Exu apronta e solta a galinha. Ela então oferece três pombas brancas e Exu parece ter aceitado. Durante o cortejo ela estranha o comportamento de Ogum. O problema só, descoberto mais tarde, é que não era Ogum, mas Exu que tinha chegado antes ao terreiro. Quando desce do carro satírico para encontrar a Mãe com o bebê no colo e o Carybé, na frente da igreja aumenta o receio da Mãe de Santo.

Dentro da igreja Ogum desesperado porque Exu ia batizar a criança, procura alguém para descer. Ele encontra o padre, descendente de escravo, de origem africana, recebe Ogum e dá tapa em Exu, assumindo o seu lugar para batizar a criança.

São 31 aquarelas, de 50x35cm, que usam cores básicas para retratar com beleza o sincretismo religioso brasileiro. Dizem que Carybé sempre desenhava os rituais do candomblé, mas nunca durante os mesmos por respeito. Ele guardava as imagens na memória e as ilustrava depois.

A exposição une a literatura com as artes plásticas, pois os fragmentos do texto de Jorge Amado estão presentes ao lado das obras de Carybé. Isto torna a leitura ainda mais gostosa já que vamos além do texto para as imagens e além delas pela contínua imaginação. Ambientando a exposição ainda temos o prazer de ouvir músicas baianas com a pegada africana. A percussão induz ao transe extático e a alma está pronta para assimilar o ritual mágico.

A pesquisa exposta junto para contextualizar os autores (Carybé e Jorge Amado) foi realizada por Maristela de Fátima Carneiro, Galeart/CAC/DIESCOM – MG. A exposição foi anteriormente exibida através dos Centros de Cultura do Banco do Brasil que doou para o sistema SESC o que permite a atual circulação entre todas as unidades do SESC no Brasil. Observação: O termo Ogum é grafado desta maneira em português, mas Jorge Amado deve ter feito valer a grafia ioruba pois etimologicamente o termo vem da África e se escreve Ogun. 



Se você perdeu a exposição ou a mesma não esteve em sua cidade você pode ver um pouco da obra extraordinária deste argentino/baiano no meu flickr. É uma pena que falta o texto do Jorge Amado que dá o molho que une as imagens com comicidade.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Jericoacoara e a gastronomia




Julho, 2009 - Todas as férias são válidas. É verdade mesmo aquelas que não fazemos nada e ficamos em casa fazendo isso: nada. Às vezes é só o que queremos, não é! Bom, nestas férias não era isso que eu tinha em mente, nem mina esposa que estava ansiosa para curtir uma praia. Depois de muito avaliar resolvemos conhecer um lugar novo para nós: Jericoacoara. Eu já havia estado no Ceará há muitos anos e não tenho uma memória clara da experiência anterior. Contudo, minha esposa nunca tinha ido e resolvemos parar uns dias em Fortaleza com nosso filho.
A idéia foi chegar, descansar e “curtir” um city tour e em seguida ir para o beach park. O park aquático é realmente extraordinário. Mesmo sem ter feito nada além de cuidar do Artur foi tão bom vê-lo em êxtase com tanta água e escorregadores que não me arrependo nem um pouco. Para quem tem ISIC há um desconto de 20%. Vale a pena pois o ingresso adulto custou R$ 95,00.
No dia seguinte fomos para Jeri. A viagem começou mal, pois o transfer do hotel marcou para às 8h e chegou às 9h30. Paciência... O trajeto é longo. Para quem vai em dois casais é 1000 vezes melhor pegar um transporte particular (leia-se camionete ou land rover, R$ 100 ou 150 por pessoa respectivamente), no nosso caso fomos de microônibus o que custou R$ 65 por pessoa. Detalhe: o Artur de 3 anos também teve que pagar. Foram sete horas e meia. Isso mesmo, você não leu mal. Os 300 e poucos quilômetros dão uma canseira ‘braba’. Quando chegamos em Jijoca, que é o município ao qual pertence a praia (distrito) de Jeri troca-se de ônibus para uma jardineira toda aberta sem ar condicionado, onde comemos poeira durante pelo menos 50 minutos. Em um 4x4, particular, você gastaria 4h direto (sem paradinhas desagradáveis) com grande parte do trajeto pela praia.
A esta altura você pode pensar que não vale a pena tanto sacrifico, mas vale. Jericoacoara é um lugar mágico. Tudo muito simples, pé na areia o tempo todo e um cenário deslumbrante. Ficamos hospedados no Hotel Mosquito Blue. Ótimo. Com uma infraestrutura razoável, o restaurante onde tomamos café da manhã fica na praia, cercado de árvores e coqueiros e um chapéu de palha que fazem sombra e permitem uma visão privilegiada da praia de Jeri. No hotel tem duas piscinas e duas ‘jaccuzzis’ , além de sauna úmida.
Em Jeri optamos por conhecer os restaurantes evitando repeti-los. É claro que depois de descobrir o Tonhão, Sabor da Terra, ficou difícil não voltar. Mas tivemos a oportunidade de experimentar vários. O primeiro foi o do próprio hotel. A comida estava saborosa, mas o preço e a quantidade deixam a desejar. A noite comemos no Carcará que os meus pais recomendaram intensamente. Gostei, minha esposa achou sem sal. O ambiente é ótimo e as meninas apesar de um pouco aéreas atendem bem e são simpáticas. Lá se você tiver com criança pode pedir que elas tem giz de cera e papel para distrair os baixinhos. Nós comemos a sugestão do chefe, uma moqueca de peixe. É necessário dizer que minha esposa gosta de uma pimenta e de uma comida bem temperada e não foi o caso.
No dia seguinte ficamos na praia de Jeri. Não estava assim uma Brastemp porque este ano choveu demais e ainda havia muita areia em suspensão o que encobria o verde azulado característico do mar deixando uma impressão de rio. A duna do por do sol fica ao lado da praia é onde todos sobem para ver o sol se esconder no mar, uma visão linda. Neste dia almoçamos no Leonardo Da Vinci. Que maravilha!! Um espetáculo apesar do meu prato não ter sido assim o melhor, minha esposa pediu um filé com gorgonzola que enche a boca de saliva ainda hoje ao pensar nele. Eu comi uma massa feita lá, ótima, mas o acompanhamento, ou seja, o molho não me agradou muito. A carta de vinhos é excelente também, mesmo a taça era de um bom vinho.
No dia seguinte permanecemos na praia de Jeri e acertamos o passeio para as lagoas para o dia seguinte. E aproveitamos para andar um pouco na praia até a praia vizinha passando pelas pedras. Foi muito gostoso. O dia lá passa sem preocupação escorre lentamente como a areia nos dedos do meu filho. Paz e beleza que alegram o olhar.
O dia seguinte fomos a Tatajuba. Nossa que lugar lindo! No caminho passamos pela duna do funil que é altíssima e o Artur (3) topou descer no skibunda. Eu e a Marcella também descemos. Achei graça quando o cara disse para nos convencer que era R$ 5 e podia descer quantas vezes quisesse. Depois de descer e mergulhar na lagoa verdinha lá embaixo parece que a gente vai de novo, mas a subida desmotiva totalmente. Que canseira! Cheguei lá em cima e ouvi ele dizendo para outro desavisado se descer quatro vezes não paga! KKKKKKK. Só o Artur desceu de novo e claro o menino que desceu com ele o trazia no braço de volta. Impressionante a disposição deles que descem diversas vezes pois buscam o ski lá embaixo sempre que alguém desce e andam para chegar na duna com seus isopores pelo menos uns 2Km.
Em Tatajuba há redes na água. Um deleite. A comida é um caso a parte. Quando pedimos o cardápio o garçom trouxe uma bandeja com lagosta, camarão e peixe. Escolhemos a lagosta e o camarão pois não sabíamos se o Artur ia gostar de lagosta. Bom ele e nós comemos até nos esbaldar. A lagosta servida fartamente (pelo menos 8) passadas na brasa e o camarão e acompanhamentos. Nossa! Estava maravilhoso. O preço então! Pelas lagostas eu me lembro, pagamos R$ 40,00.
Pedimos algumas dicas para o bugueiro que falou dos restaurantes da Dona Amélia e do Tonhão. Fomos experimentar a Dona Amélia e para a Marcella o melhor arroz de Jeri. O camarão estava ótimo. Não resistimos e comemos de novo na Dona Amélia e aí uma moqueca de peixe que estava divina na noite do dia seguinte.
Durante este dia fomos à lagoa do coração e à Barrinha. Piscinas de água de chuva no meio das dunas. A água transparente o calor incrível e o convite inevitável ao banho. Experimentamos um camarão na lagoa do coração que também estava muito bom, apesar do preço não ser assim tão convidativo , R$ 20 por dez camarões grandes. O almoço este dia foi na praia de Azul do Mar. Um restaurante apreciado pelo Guia Quatro rodas e que faz jus a sua estrela. Comemos um peixe maravilhoso!! Super simples o espaço do restaurante fica na areia e o restaurante em si, cozinha e etc, fica do outro lado da rua. A praia do Preá, endereço do rest., é o paraíso para o kite surf com um vento permanente.
No dia seguinte descobrimos o Tonhão. O restaurante Sabor da Terra fica na rua do Forró, a mesma do Carcará e da Dona Amélia. O sabor e o preço são incomparáveis. Comemos muito bem, fomos bem servidos e não pagamos muito por isso. Resultado voltamos outras duas vezes. Comemos lá lagosta e camarão. No Carcará voltamos mais uma vez para fazer a prova dos nove, mas de novo não foi 100% pois o bobó de camarão que minha esposa pediu estava muito sem graça. O risoto que eu pedi de camarão estava bom. Mas o preço lá não é muito convidativo, para pagar R$ 100,00 na conta preferi o Leonardo Da Vince que fica na principal mais abaixo da onde a rua se fecha para o tráfego de carros.
No caso do passeio de buggy sugiro uma visita na rua principal à associação de bugueiros, assim você fica respaldado até pra negociar com outros bugueiros que chovem nos hotéis.

Em Fortaleza

Comemos em diversos restaurantes indicados pela Revista Veja. Entre eles: Vignoli (Pizzaria), Sal e Brasa (churrascaria) e Lô (contemporânea). Disparado o melhor deles sem dúvida nenhuma foi o Lô. Uma surpresa hiper agradável com um bacalhau que está entre os melhores que já comi na vida. Olha que a minha Vogra (Vó da minha esposa) é portuguesa e faz um bacalhau divino. E conheço também o do Antiquarius e um outro maravilhoso aqui da Chapada dos Guimarães conhecido por Restaurante Estilo, que já foi surpreendente e hoje não sei como anda porque as duas últimas visitas que fiz fiquei triste com o resultado (acho que a dona não cozinha mais e as cozinheiras ainda não conseguiram aprender 100%).
Bom é isto... Se eu lembrar de mais alguma coisa eu posto depois. Valeu!







tem no meu flickr algumas fotos da Pedra Furada.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Jodorowsky, o cara

Claudio de Oliveira
Da Reportagem

Um convite para ver Jodorowsky pode ser uma ofensa grave para toda a vida. Não leve ninguém ao cinema. Vá sozinho. Antes, porém, esqueça todo o preconceito em casa e liberte-se de qualquer expectativa exagerada especialmente em relação a algum sentido.

Alejandro Jodorowsky é um ser totalmente underground. Uma pessoa que dificilmente será compreendida ainda em vida, muito menos por aqui. Não digo aqui Cuiabá, digo aqui Brasil com a anuência de Hernani Heffner, que assina um ótimo texto no catálogo sobre o artista multimídia (que termo pobre!) que já foi exibido no Brasil, mas ainda não recebeu a devida atenção.

Começando do começo: Alejandro Jodorowsky nasceu no Chile em 1929 e continua vivo. Com 27 anos foi para o México, viveu lá por 17 anos e com 40 anos foi para a França onde vive até hoje. Diretor de cinema e teatro, ator, produtor, compositor, escritor, autor teatral, filósofo, humorista, especialista em tarô, mestre reconhecido dos quadrinhos e, segundo o próprio, psicomago.

Na abertura do livreto que acompanha a exibição dos seus filmes, Guilherme Marback e Joel Pizzini, curadores da mostra sintonizam o incauto espectador. “Polêmico, anarco-alquimista...” acusa a indústria hollywoodiana de roubar conceitos-chave do seu repertório em filmes como Alien, Blade Runner e Guerra nas Estrelas. Entre seus devotos estariam David Cronenberg, os irmões Coen e David Lynch. Uma das pessoas que ajudou na construção deste mito vivo foi John Lennon e a viúva, que distribuíram e financiaram o seu terceiro longa (Montanha Mágica) depois de se impressionarem com o segundo (El Topo), ambos presentes na mostra.

Ainda segundo os curadores, Jodorowsky é “filho de Fellini com Artaud”. Desde cedo teve um fascínio pelo surrealismo, flertou com Buñuel e André Breton. No teatro dirigiu peças de autores como Beckett, Ionesco e Strindberg. É fundador do movimento Pânico, uma homenagem ao Deus Pan, juntamente com Fernando Arrabal e Roland Topor. Na literatura aninha-se entre o realismo mágico e a realidade histórica. Nos quadrinhos suas parcerias com Moebius e Manara geraram duas obras-primas do gênero no mundo. Com Moebius lançou em 1975 (depois vieram outras obras juntos) Incal, uma HQ definida como anarco-ecumênica. Sobre a obra Alejandro fala: “Eu e Moebius misturamos tarô, cabala, Jung e o que sobrou de nosso Duna (romance de Frank Herbert). Como era muito adiantado para a época, não envelheceu”.

Da sua parceria com Milo Manara, mestre da HQ erótica, nasceu Bórgia. Uma série de Graphic-novels dividida em três partes que conta um pouco da transformação do Rodrigo Bórgia no Papa Alexandre VI. Para se ter uma ideia da obra ele explica: “embarquei nesta obra porque queria mostrar que a igreja foi fundada por gangsteres e bandidos”.

A sua psicomagia desenvolve-se a partir do conceito da arte mesclado com a psicanálise. Bom talvez a síntese não seja tão boa. Ele explica em uma entrevista eterna para a TRIP: “é uma terapia vinda da arte. A psicanálise vem da ciência. A psicomagia, como investigadora do inconsciente, propõe que este seja artístico, não científico. São obras de arte as terapias, não têm uma forma sempre igual.” Ele conta no livreto da mostra que tinha um amigo moreno, que não aceitava a sua cor, não se enquadrava nem como negro, nem como branco. Com a psicomagia ele o curou. Ele pintou o amigo de branco (dos pés à cabeça) e o colocou para andar na Champs-Elysées com uma negra. Depois no dia seguinte, pintou-o de negro e o colocou para desfilar no mesmo local com uma branca. No dia seguinte pediu que saísse ao natural com uma amiga sua, uma mulata. “No passeio se apaixonou, casou com ela e teve filhos. Nunca mais se preocupou com sua cor” finaliza Jodorowsky.

É impossível descrever ou traçar ao menos um mapa desta “entidade metafísica cujo nome está em toda parte e cujos filmes não se vêem em lugar algum” descreve Bráulio Tavares. A obra arte que é o livreto vale como uma iniciação, mas nada substitui o impacto visceral da sua obra. Na entrevista citada à TRIP perguntam a ele: - “Acha que estamos aqui para amar?”, ele responde: “Procurar o amor é como estar em um rio e sentir sede. Tudo o que está à nossa volta foi criado pelo amor. É só prestar atenção ao que você é.” Vai entender...

Tem uma ótima entrevista aqui publicada com trechos da revista Reserva Cultural. O Blog é do Ariel e chama "Ou o pensamento contínuo"


SERVIÇO:
O QUE: Mostra Jodorowsky
QUANDO: de 2 a 5 de setembro, sessões às 21 horas
ONDE: Cine SESC Arsenal
QUANTO: grátis