terça-feira, 1 de setembro de 2009

Jodorowsky, o cara

Claudio de Oliveira
Da Reportagem

Um convite para ver Jodorowsky pode ser uma ofensa grave para toda a vida. Não leve ninguém ao cinema. Vá sozinho. Antes, porém, esqueça todo o preconceito em casa e liberte-se de qualquer expectativa exagerada especialmente em relação a algum sentido.

Alejandro Jodorowsky é um ser totalmente underground. Uma pessoa que dificilmente será compreendida ainda em vida, muito menos por aqui. Não digo aqui Cuiabá, digo aqui Brasil com a anuência de Hernani Heffner, que assina um ótimo texto no catálogo sobre o artista multimídia (que termo pobre!) que já foi exibido no Brasil, mas ainda não recebeu a devida atenção.

Começando do começo: Alejandro Jodorowsky nasceu no Chile em 1929 e continua vivo. Com 27 anos foi para o México, viveu lá por 17 anos e com 40 anos foi para a França onde vive até hoje. Diretor de cinema e teatro, ator, produtor, compositor, escritor, autor teatral, filósofo, humorista, especialista em tarô, mestre reconhecido dos quadrinhos e, segundo o próprio, psicomago.

Na abertura do livreto que acompanha a exibição dos seus filmes, Guilherme Marback e Joel Pizzini, curadores da mostra sintonizam o incauto espectador. “Polêmico, anarco-alquimista...” acusa a indústria hollywoodiana de roubar conceitos-chave do seu repertório em filmes como Alien, Blade Runner e Guerra nas Estrelas. Entre seus devotos estariam David Cronenberg, os irmões Coen e David Lynch. Uma das pessoas que ajudou na construção deste mito vivo foi John Lennon e a viúva, que distribuíram e financiaram o seu terceiro longa (Montanha Mágica) depois de se impressionarem com o segundo (El Topo), ambos presentes na mostra.

Ainda segundo os curadores, Jodorowsky é “filho de Fellini com Artaud”. Desde cedo teve um fascínio pelo surrealismo, flertou com Buñuel e André Breton. No teatro dirigiu peças de autores como Beckett, Ionesco e Strindberg. É fundador do movimento Pânico, uma homenagem ao Deus Pan, juntamente com Fernando Arrabal e Roland Topor. Na literatura aninha-se entre o realismo mágico e a realidade histórica. Nos quadrinhos suas parcerias com Moebius e Manara geraram duas obras-primas do gênero no mundo. Com Moebius lançou em 1975 (depois vieram outras obras juntos) Incal, uma HQ definida como anarco-ecumênica. Sobre a obra Alejandro fala: “Eu e Moebius misturamos tarô, cabala, Jung e o que sobrou de nosso Duna (romance de Frank Herbert). Como era muito adiantado para a época, não envelheceu”.

Da sua parceria com Milo Manara, mestre da HQ erótica, nasceu Bórgia. Uma série de Graphic-novels dividida em três partes que conta um pouco da transformação do Rodrigo Bórgia no Papa Alexandre VI. Para se ter uma ideia da obra ele explica: “embarquei nesta obra porque queria mostrar que a igreja foi fundada por gangsteres e bandidos”.

A sua psicomagia desenvolve-se a partir do conceito da arte mesclado com a psicanálise. Bom talvez a síntese não seja tão boa. Ele explica em uma entrevista eterna para a TRIP: “é uma terapia vinda da arte. A psicanálise vem da ciência. A psicomagia, como investigadora do inconsciente, propõe que este seja artístico, não científico. São obras de arte as terapias, não têm uma forma sempre igual.” Ele conta no livreto da mostra que tinha um amigo moreno, que não aceitava a sua cor, não se enquadrava nem como negro, nem como branco. Com a psicomagia ele o curou. Ele pintou o amigo de branco (dos pés à cabeça) e o colocou para andar na Champs-Elysées com uma negra. Depois no dia seguinte, pintou-o de negro e o colocou para desfilar no mesmo local com uma branca. No dia seguinte pediu que saísse ao natural com uma amiga sua, uma mulata. “No passeio se apaixonou, casou com ela e teve filhos. Nunca mais se preocupou com sua cor” finaliza Jodorowsky.

É impossível descrever ou traçar ao menos um mapa desta “entidade metafísica cujo nome está em toda parte e cujos filmes não se vêem em lugar algum” descreve Bráulio Tavares. A obra arte que é o livreto vale como uma iniciação, mas nada substitui o impacto visceral da sua obra. Na entrevista citada à TRIP perguntam a ele: - “Acha que estamos aqui para amar?”, ele responde: “Procurar o amor é como estar em um rio e sentir sede. Tudo o que está à nossa volta foi criado pelo amor. É só prestar atenção ao que você é.” Vai entender...

Tem uma ótima entrevista aqui publicada com trechos da revista Reserva Cultural. O Blog é do Ariel e chama "Ou o pensamento contínuo"


SERVIÇO:
O QUE: Mostra Jodorowsky
QUANDO: de 2 a 5 de setembro, sessões às 21 horas
ONDE: Cine SESC Arsenal
QUANTO: grátis

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